31 de dezembro de 2015

Ainda sei de ti

Ainda sei de ti, mesmo que não to diga. Ainda sei de ti mesmo que não to escreva. Mas ainda te vejo, ainda te vejo em toda a parte, porque o mundo é teu e tu marcaste-o de todas as formas.
Ainda sei de ti, mesmo que não o grite,  mas as palavras que guardo são mais do que as que conheço, e não tas poderia dar. Não assim, sem embrulho ou proteção, como se se tratassem de um qualquer presente que me esqueci. As palavras que trago comigo pertencem-te, mas não sei como tas entregar. Não sei como te dizer que tenho um orgulho cego em ti. Guardamos as palavras dentro de nós como se fossem ridículas, como se fossem demasiado leves para momentos pesados, como se fossem pouco sérias, muito sérias, poucas palavras, poucas razões.
Guardamos as palavras como se pudéssemos entrega-las a qualquer momento, como se a morada não mudasse nem o corpo falhasse. A morada muda, e o corpo falha, e as palavras ficam. Não quero que fiquem, não as quero para mim. Quero que as oiças e leves contigo, para onde quer que vás. Mas não sei montá-las, não sei como deixar que se encaixem e dancem até ti. Fazer com que te envolvam e ensinem que és mais forte do que o maior dos teus medos.
Lembras-te quando te escondias debaixo dos lençóis e gritavas por ajuda ? O quarto era escuro, e o escuro profundo, e o profundo assustador. E tu escondias-te, e gritavas, para assustar o escuro, clarear o medo. Lembras-te ? Quando te encolhias e pedias que te levasse para longe, só naquele dia, como se eu pudesse recusar ? Como se eu não quisesse roubar-te do mundo, esconder-te da vida. Como se eu pudesse resistir-te. Como se eu pudesse largar a tua mão e ver-te partir. O que mais custa é não estar debaixo daqueles lençóis contigo. Sem a cúmplice sensualidade que nos caracteriza, sem os corpos que se puxam e desejam, sem as cabeças que se conhecem demasiado bem. Só eu e tu, debaixo daqueles lençóis. Eu gritava contigo, posso ? Á espera que alguém corresse, acendesse a luz e afugentasse o medo. Já está tudo bem não está ? Não me respondes, não estou debaixo dos lençóis mas oiço-te gritar. Não vejo nada à minha volta mas sei que tenho que chegar, mais depressa do que precisas, tão rápido quanto eu preciso.
O que me assusta não é o escuro, mas que grites. Como se algo de mal te pudesse acontecer, como se eu pudesse não chegar a tempo.
O que te assusta não é o escuro, é que eu não te oiça gritar, que eu não chegue. Sem tempo, como sempre me exigiste. Não que venha, mas que queira vir. Não que fique, mas que queira estar. Vir por minutos se valerem horas, vir por horas até termos dias, vir por dias que se liguem em anos.  Lembras-te quando te escondias debaixo dos lençóis e gritavas por ajuda ?
Agora és tu a ajuda. És tu que corres e carregas contigo a luz suficiente para iluminar a terra inteira. E iluminas, vejo tudo tão melhor agora. Vejo-te sentar e deixo-me respirar as tuas ideias. São como ferro, que marca e se deixa ficar. E eu deixo que fiquem, ideias de luta, ideais de medo, ideias de flor. Flor que és, mas que não te vês ser. Como se só visses os espinhos que te percorrem e não te deixasses ver a flor que está acima deles. Os espinhos evitam que qualquer mão te agarre. Como se não justificasses o sangue que cai enquanto te seguro junto ao peito como aquilo que és. A melhor coisa do mundo.
Tenho saudades tuas, tantas quantas o peito me permite ter. Tantas quantas sei ter, como me ensinaste. Um pé de cada vez, degrau a degrau. Sem palavras baratas, sem justificações. Um pé de cada vez, para que o próximo passo chegue, e passe.
Tenho saudades tuas, por saber quem és. Por saber que quem te vê sorri, e passa. 
Sem saber pelo que passou, sem saber quem és, de onde vens. Já não estás debaixo dos lençóis, já não estás encolhida à espera que passe. Aquilo que és aquece-me, por esse fogo que te dança na alma e que te diz para correres. Correres pelo mundo e deixares que o mundo corra em ti. Deixares que o mundo acredite que tudo é possível. 
Tenho saudades tuas, e tenho um carinho por ti que não to poderia dizer. Ou poderia ?
Puxo os lençóis para cima da cabeça e deixo-me ficar. A tua mão aquece-me a alma. A tua respiração preenche o espaço e diz-me que posso dormir. Que posso saber que tudo vai ficar bem.
Lembras-te quando te escondias debaixo dos lençóis e gritavas por ajuda ?
Nunca deixei de te ouvir.