27 de setembro de 2012

XIII

Boa noite meu amor. Venho só para saber como estás, como foi o teu dia? Venho só pela necessidade que tenho de te ouvir descrever o frio da madrugada que te acordou e como o barulho da chuva te despertou para fora da cama. Venho só para que saibas, que espero que o dia te tenha corrido bem, que tudo tenha seguido o melhor caminho. Venho só porque me preocupo contigo. Há dias em que sinto que se olhasse para trás agora, tanta coisa teria ficado em silêncio. Eu não quero olhar para silêncios, não quero que te falte uma palavra, pelo menos não uma que tu mereças. E se as mereces, tu que me fizeste escorrer tinta por páginas e cadernos numa grossa tentativa de te ver sorrir. De te roubar isso que tens de melhor, esse tesouro que ouso reclamar como meu, como só meu.
A vida ensinou-me que a vida pouco tem para nos ensinar. Se nos sentarmos a ver passar os dias aprenderemos pouco mais que nada. Agora se nos sentarmos a ver-te passar, mesmo que só por um minuto, poderemos deixar-nos ficar, atingidos por um conhecimento que não podemos suportar. Não consigo ver-te passar, não aguento mais manter-me afastado de ti. Por isso corro a beijar-te, uma última vez, todas as vezes. Não aguento ter-te longe nem por mais um segundo. Volta para mim, leva-me desta noite que me afoga nesta ausência de luz regida por um relógio que nunca corre para ti, mas dispara assim que chegas. Não gsoto de relógios, nem de saudades. Eu gosto de ti. Como sempre gostei.

Em séculos de existência, foste a melhor coisa que me aconteceu.

23 de setembro de 2012

Letter XII

Quanto mais se pode dizer a alguém que sabe tudo sobre nós?
Vejo passar o tempo, e as palavras continuam aqui escritas. Nada do que passa as apaga, e o que passou deita-se com elas, como amigos de longa data. É sem dúvida uma longa data. Existem hoje, dias em que acordo praticamente convencido de que te conheci toda a minha vida. De que falamos desde que não sabíamos sequer falar, e que te conheço porque cresci contigo e te vi crescer. Não vi, mas as palavras faltam-me. Faltam-me, não apenas agora, mas sempre que apareces, e me apanhas desprevenido. Quem inventou que as pessoas se habituam, era louco. Ou não te conhecia. Não é possível habituar-se a ti. Não a ti, não com o passo que trazes e a vida que entregas. Tu és tu, e isso quer dizer muita coisa. Há uma coisa que preciso contar-te. Ontem dei por mim agarrado a fotografias tuas, fotografias de outros tempos. Dei por mim a ver-te sorrir como só tu o fazes, e a minha alma ainda vive se te vejo. Estou ansioso que chegues. Que venhas aninhar-te em mim com aquele mesmo sorriso, com aquela vontade de viver, de viver comigo, como se eu fosse merecedor de ti. Há uma coisa que preciso contar-te. Eu sinto a tua falta.
Sei que te conheci num remoinho de sentidos mas tu és tudo o que sinto agora, e o remoinho vem se não estás, e vira esta casa do avesso. E tu estás nas paredes e nas mesas, tu estás em toda a parte porque tudo é parte tua. Uma parte tão tua que me aperta o estômago e dispara o pensamento para tão longe daqui.
Para um lugar frio, onde a chuva fez esquecer o sol, e o tempo parou. Mas eu encosto-me a ti e fico a ver-te     . Só a ver-te, como se isso fosse a melhor coisa do mundo. Há uma coisa que preciso contar-te.

Tu és a melhor coisa do mundo.

20 de setembro de 2012

Letter XI

Estás aí ? Não sei se sabes, mas eu tenho-te escrito. Escrito no vento e no tempo, mas não sei se o vento te leva o tempo que te dou. Levou ? Espero que estejas, que me possas ouvir. Espero que leias e sintas que ainda penso em ti. Que ainda me lembro de ti. Estás aí ? Quero dizer-te que ainda és uma novidade, que ainda me fazes engolir batimentos do coração. Não me habituei a ti, por mais que os tempos que passamos juntos sejam cada vez mais um espécie de utopia tão minha. Tão nossa ? Espero que ainda me vejas, e ouças. Como quando todo o tempo era curto para te ver hoje, e amanhã não chegava e teimava em mostrar-se sempre numa espécie de toque-foge, estás aqui, não estavas?
Eu acredito que sim, que estejas. Ou já não falaria. Chamo por ti todas as noites, quando o escuro faz de nós fracos, mas a manhã impede que admitamos o quão fracos fomos. Chamo por ti todas as noites, mas ainda não vieste. Talvez seja por isso que me deite todas as noites. Na esperança de que venhas, e chegues com esse sorriso que não te pesa nos lábios mas que arrasto na memória. Deito-me na espera, porque dormir não posso. Como poderia eu? Sonhar tornou-se impossível, pelo perfume que deixaste em mim, tão mais forte que qualquer sonho, que qualquer história.
A minha história és tu.
É por isso que escrevo. Na esperança de que a prática conduza à perfeição, e que um dia te posso contá-la como mereces ouvi-la. Como perfeição que és, perfeição oiças. A perfeição não existe é um boato. Inventado por alguém que cansado de falhar justificou todos os falhanços futuros. A perfeição existe, mas pessoas fracas também. A existência de uma não impede a outra, e tu existes, apesar de não te ver. Mas sei que estás aqui, tão certo como este ar cansado de silêncio.
Há mais uma coisa que gostava de te dizer.
Adoro-te.
Estás aí ? Não sei se sabes, mas eu tenho-te escrito. Escrito no vento e no tempo, mas não sei se o vento te leva o tempo que te dou. Levou ?

17 de setembro de 2012

Letter X


Estou a habituar-te mal. Mas sinceramente estou farto de gente bem habituada. Estou farto de baixas expectativas. Estou farto de "não é possível", "não acredito", "não consigo".  Estou cansado da falta de idéias, da falta de graça, de interesse. Estou farto de más idéias, tentativas falhadas, erros e falhanços. É esta a minha arrogância. Sou arrogante ao ponto de acreditar que eu sozinho poderei fazer feliz alguém como tu, mas sim, eu acredito.  E construiremos paredes, subiremos degrau a degrau,e mesmo que caiasvezes evezes, eu estarei lá para te levantar. Porque é isto que me faz correr agora. É isto que me tira da cama. É isto que me faz tirar apontamentos, ter dúvidas, interesse. É isto que me faz aplicar-me, tentar ser mais e melhor a cada momento para poder acompanhar-te nessa louca perfeição que carregas. Isto? Esta certeza de que aconteça o que acontecer, seja como for o dia, tu estarás à minha espera. À distância de uma mensagem, de uma viagem. Sei que estarás à minha espera com os músculos contraídos, prontinha a saltar para me abraçar. Como parte de ti. Parte que agora reconheço como minha. Esta certeza que por piores que as coisas corram, tu estarás comigo. E nunca será assim tão mau. Tu acalmas-me, fazes-me passar horas acordado a ver-te dormir. Tu mexes comigo. Sem te mexeres, sem me tocares, falares ou sentires. Só por seres. Só por seres o que és da forma que tu consegues sê-lo. Sem autorizações, lições ou lógicas. Contrarias todas as leis que nos possam prender ao racional. Tu não és racional. Ou, talvez, eu já não possa raciocionar perto de ti. Não com esse corpo que me fascina e desperta. Não com a maneira como falas, e a vontade que desenhas em mim de ouvir cada palavra como se fosse a última. Poderá ser ? Poderás tu ser uma passageira ilusão que beijo enquanto foge? Poderás tu ser um vislumbre de um sorriso? 
Como poderias, se tudo arde quando estamos juntos? Eu vi mundos e fundos desaparecerem só porque sorriste. Eu vi-te ao longo dos tempos, dos séculos. Eu perdi a minha idade por aí. Na espada de Napoleão, na túnica de césar. Enquanto o vento te fazia dançar nas saias do tempo. Eu perdi-me por aí. Eu esperei que passasses e deixei-me cair. Tu desenhaste-me os músculos e as ideias, tu trouxeste vida ao que não vivia. Como poderíamos nós ser de outra forma se nem forma temos? Que a bolha de ar à nossa volta não mais se desfaça, para que respires o meu oxigénio, e eu te respire a ti. Juntos, sempre juntos, na garantia que o amor ama. Mais hoje que ontem, num ciclo que me viciou, que te viciou e que nos leva. Pelos tempos que vêm ou talvez nunca cheguem. Pela certeza, a certeza da união. E pouco mais importa.
Por isso, ensina-me. Ensina-me a falar-te ao coração, ensina-me a compreender-te, ensina-me o que dizer para que não precises ouvir mais nada, ensina-me a ser o que precisas. Faz bater o meu coração cada vez mais, ao ritmo de tardes e noites desta sensual cumplicidade. Deste carinho constante, esta vontade de te dar tudo. Faz com que no silêncio que nos separa se ouça apenas o bater dos nossos corações, faz com que conheçam o som um do outro. Faz com que se habituem, se misturem, se completem. Faz com que os meus olhos brilhem, que eu perca a cabeça. Apareceste. E eu tenho que ser arrogante ao ponto de acreditar ser capaz de te manter aqui. Porque eu já não existo isto de outra forma. Muito além da compreensão, da razão ou da lógica. Algo tão nosso, tão único. É aqui que eu quero ficar. Se te pedisse que ficasses comigo, o que farias ?

16 de setembro de 2012

15 de setembro de 2012

Letter VIII

Um rapaz cresce a evitar qualquer tipo de rosa, e quanto mais claro pior. É semelhante ao que se pensa dos sentimentos. Quando somos pequenos, o rosa é de menina, e a menina não joga à bola, não corre, não rasga os joelhos conosco, não se interessa por nós. Por isso quem paga é o rosa. É olhado de lado e desrespeitado, é posto de parte pelo chamado "sexo forte". Sexo forte esse, que tem medo de uma cor. Sim, a cor é imutável. Sim, a cor é eterna. E isso pode ser assustador, o rosa estava cá quando cheguei, e vai ficar cá depois de mim. Ainda assim, crescemos a evitar a cor que nada fez contra nós, e criamos barreiras contra ela. O sangue pode ser azul, mas o peito não é rosa. A dor pode ser negra, mas uma vitória não é rosa. O mundo pode estar a preto e branco, mas o fim do mundo não é rosa ! O que é o rosa então? "O medo é o pai de tudo o que te prende" ensinaram-me. Então será o rosa que nos faz tremer na presença daquela rapariga? Será o rosa que nos enrola a língua e rouba as palavras que preparámos e decorámos? Será o rosa que torna o sexo forte, fraco? Não. Não penso que seja assim tão óbvio. O que nos faz tremer são os olhos dela, o que nos enrola a língua é o seu toque, o que nos torna fracos é a idéia de uma ausência para a qual deixámos de estar preparados. Então talvez o meu peito não seja rosa, mas poderá o coração sê-lo? E se rosa não for o fim do mundo, mas o início? Lembro-me de ter 7 e 8 anos e ter poucas preocupações. Resumidamente preocupava-me com quem trazia a bola, e quem jogava da minha equipa. E ali era tudo muito duro, muito forte. Um golo é azul. Um passe perfeito é dourado. Não existia por ali nenhum rosa, muito menos clarinho. Lembro-me de ter 14 ou 15 e começar a preocupar-me com mais coisas, já me preocupava se a minha equipa era boa ou má, e se a outra era melhor. Mas lembro-me de alguns raios de rosa nessa altura. Mas nós desviávamos sempre o olhar, claro que não pensávamos nisso. Sempre muito longe de nós, esse rosa que nos perturba e muda. Lembro-me de ter 18 anos, ainda muito duro, arrogante, muito consciente do que sentia, do que não sentia. Muito azul, de um azul gritante, que me protegia. Lembro-me de ver este super azul ser derrotado pelo fraco rosa. Pior, por um rosa clarinho. Um beijo e o arrogante azul perdeu-se em braços e amassos.Um beijo, e o azul imortal sentiu-se frágil, sentiu-se vivo. Sentiu-se. O brilhante azul reconheceu-se. No rosa clarinho que evitou toda a sua vida. E agora, via naquele rosa clarinho um mundo inteiro. Um mundo de expectativas, de promessas, um mundo de sonhos e de sonhadores. Um mundo que jurou proteger, com a sua força, a sua arrogância. Mas agora não era arrogante por orgulho em si, nem naqueles que o pintavam e protegiam. Mas no seu pequeno e frágil rosa. Um rosa clarinho que tão pequeno mostrou-se dono de uma força imensa, uma capacidade de parar o tempo, a chuva, o mundo. Será então isto que sinto por ti?  Uma cor? 

14 de setembro de 2012

Letter VII

Lembro-me constantemente de que tu não te podes tornar uma lembrança. O que se transforma num paradoxo que me confunde. Como posso eu manter-te na memória sem que te tornes uma lembrança? A memória é uma coisa frágil, que se desgasta com os anos e mergulho num poço escuro, de onde não torna. Eu não te posso deixar mergulhar, eu não te posso deixar desvanecer. Se tu te vais, o que deixas comigo ? Memórias, pedaços de ti que se alteram por momentos e pensamentos, instantes de devaneios que te mudam e transformam. Poucos dias depois de te conhecer eu recordava cada momento com exactidão. Poderia descrever cheiros e cores, palavras ditas e pensadas, o que foi feito e como foi feito. Com o tempo as memórias fundiram-se e hoje posso praticamente jurar que já naquela altura tu brilhavas mais que qualquer outra pessoa, luz ou vida. Voavas. Não com uma capa como nos filmes, mas em silêncio, no escuro. Fechava os olhos e via-te em toda a parte, como um monstro. É por isso que tememos o escuro enquanto crescemos. Por causa de monstros. O desconhecido é que nos assusta, o não saber o que vai acontecer se saltarmos, se alguém estará lá para nos apanhar.É isso que tememos. Que naquele quarto escuro esteja alguma coisa tão grande, ou tão forte que não lhe possamos fazer frente. Tu és esse monstro. Absorves tudo o que te rodeia com uma leveza que me transporta, fazes do mau bom em ti, para que não seja mau depois. Fazes do bom um corpo tão teu, que me pertence e desejo, mais do que qualquer outra coisa, em qualquer outro tempo. Tu és o meu monstro. Tu engoliste tudo o resto e fizeste desta terra a tua gruta. Mais nada existe por isso eu só posso viver-te, respirar-te em cada segundo. Porque tu levaste tudo.
E do tudo nasces tu. Não há muito que te possa prometer meu amor, não te posso garantir que nada correrá mal, que a chuva não vai cair. A chuva vai cair. Às vezes com tanta força que nem te ouvirás pensar. Mas então eu correrei para ti e dançaremos no meio da rua porque nós podemos. Porque tu o permitiste. Antes de ti era só chuva, um dia cinzento. Agora é um dia de ti, e se chove não sinto. Sinto-te em mim, a cada gota que cai e me beija com esta intensidade que não sei esquecer. Nem quero. Quero mais dias de ti, mais dias de chuva. Quero ver-te, no escuro, com esses dentes afiados e um corpo gigantesco. Quero que me assustes a vida toda. Assusta-me dia e noite, quando menos esperar. Porque se algum não o fizeres, se algum dia o sol não me trouxer a tua voz, eu morrerei de medo.

12 de setembro de 2012

Letter VI

Hoje acordei a pensar que talvez sejas um peixe. Se não perder muito tempo a pensar na insanidade em que acordo, podemos analisar que talvez sejas mesmo um peixe. Várias vezes tentei apertar-te com tanta força que se tornasse impossível para ti fugir daqui. Várias vezes te vi escorregar-me por entre as mãos e saltar com essa delicadeza que só tu transportas. Mas como podes tu ser um peixe se caminhaste por uma vida a meu lado, nesta terra em que gravei o teu nome ?
Caí na descrença de que realmente alguma coisa se possa comparar a ti, que alguma coisa possa ter o brilho que me trazes, mesmo que as noites não acabem e os dias preguiçosos se escondam de nós. Tu roubaste-me o medo do futuro. Porque o futuro tornou-se um trilião de possibilidades, mas isso não o torna bom. O que o torna bom, é que o passado foi abrilhantado por ti, em cada tarde e noite. O que importa é que o passado foi teu, manhã sobre manhã. E isso retira o peso do futuro, pois já não está encarregue de valorizar esta vida que te dou. Tu trouxeste vida. Vida a esta casa que pintaste com a cor dos teus olhos para que neles me perdesse. Com um pincel feito de vento que te agita os cabelos e traz o teu cheiro até mim. Este cheiro que se impregna na roupa, na cara, no chão. Até que te rasgue a roupa, encoste as caras e te deite no chão. Neste turbilhão de emoções que me entorpece os sentidos e me puxa para ti, como um campo magnético em que os opostos não se atraem, mas se complementam. Acho que me repito e que me perco em palavras, mas que no fundo te digo sempre o mesmo. Tenho saudades tuas. Tenho saudades minha querida. Porque é contigo que tenho que estar. Ainda sinto as tuas unhas nas costas, quando me rasgaste a carne de vícios e te injetaste em mim.

Como uma tatuagem. Diretamente na alma.

9 de setembro de 2012

Letter V

E se ninguém me ouvir ? E se as minhas palavras mergulharem num abismo sem nunca ouvirem o nascer do sol ou cheirar as ondas do mar ? E se tudo isto nunca chegar até ti ? Tenho medo. Um medo que me engole e me afunda neste gelo que queima, mais hoje que ontem, porque a saudade aumentou e o teu vazio não passa. Tenho medo. Medo que a história não seja escrita no vento mas sim em papel. Medo que o vento leve o papel e o papel a história, e que a história se transforme em palavras e desapareça, por uma tinta que não corroeu almas e corpos e se deixou ficar guardada. Tenho medo que a tua história não viva na boca do mundo por séculos intermináveis. Não posso deixar que desapareças, não tu que tanto trouxeste de bom. Deixa que te leve pelas páginas do mundo, não na caneta mas no corpo, corre-me no sangue como corro para ti. Com quantas forças me restam. E como corro eu quando elas me falham. O meu destino és tu, independentemente do tempo que faça.. Porque o tempo és tu e para ti não há tempo. Um minuto contigo é uma eternidade mas passa num assobio, és mais rápida que a vida mas és o que lhe trazes um sentido. Um sentido tão teu que me rouba o Norte, e me guia para ti. Uma e outra vez.
E se ninguém me ouvir ? E se as minhas palavras mergulharem num abismo sem nunca ouvirem o nascer do sol ou cheirar as ondas do mar ? E se tudo isto nunca chegar até ti ? Tenho medo. Mas também te tenho a ti. E nada pode combater isso.

Alguém me ouvirá.

6 de setembro de 2012

Letter IV

Tenho saudades tuas. Pergunto-me se ainda saberás o que são saudades. Pergunto-me se te lembras do ardor que nos invade e aperta o estômago, como se não pudesses não estar aqui. Mas não estás. Sinto-me envolvido por este torpor que me adormece a carne numa expectativa de que chegues, que venhas e fiques.
 É tudo melhor quando vens, por esta necessidade de uma companhia que se enraizou em mim e que eu alimento todos os dias. Não sei cansar-me de ti.
 Confesso, nunca fiz grandes esforços nesse sentido. Ainda assim, não conseguiria mesmo que tentasse. Mesmo que tentasse com todos as minhas forças. Todos os dias. Sinto-me atraído por ti. Não pelo teu corpo, invejável aos olhos de qualquer outra, mas pela forma como vens. Como os teus olhos saltitam por toda a parte antes de pousarem em mim, com essa doçura que me abraça e protege. O que me atrai é a tua forma de seres minha, pela vontade que tens em sê-lo. Como se eu te merecesse ou tivesse algum direito sobre ti. Não tenho, nem poderia ter. Uma força assim não se controla. Eu vivo nesta doce manto de uma honrosa oportunidade para te acompanhar, todos os dias, até ao fim. Ao fim do mundo ou do tempo, não o nosso. Como poderíamos nós ter fim se não tivemos um início? Tu que foste Cleópatra e ajoelhas-te Roma a teus pés, tu que foste Helena e conduziste a Grécia para a guerra. Tu minha Julieta que justificas qualquer veneno. Por esta incapacidade de caminhar num mundo vazio de ti,
 Um mundo que foi feito para suportar os teus passos. Para que nunca pares e todos te vejam, e que te vendo me conheçam, porque o somos nós senão dois num só corpo?

Mais do que a soma das partes, somos um todo uno. Hoje e sempre.

5 de setembro de 2012

Letter III

Antes tudo girava num corropio de emoções penduradas, falsas partidas, poucos afectos. Antes toda a minha vida girava à volta de uma corrida que era constantemente adiada. Por falta de tempo, calor, vontade. Antes o mundo colocava as perguntas da forma que entendia correcto e eu eneveredava pelo desplante de me preocupar em dar a resposta acertada. Antes, a carne não conhecia o corpo, o corpo não reconhecia a mente. Antes, um livro trazia uma história mas não uma lição. Um livro era não mais que uma canção que nos adormece agora, mas não nos acorda depois. Antes ouvia o que tinham para me dizer como se alguém dissesse alguma coisa que eu tivesse que ouvir. Como se alguém se preocupasse em ser ouvido, ou medisse as palavras que impunha ao ouvido. Antes era pouco mais que o velho que se senta no jardim e espera que a vida o ultrapasse. Pouco mais que a brisa que passa e te beija a face num murmúrio que não deixa nome ou perfume. Que perfume esse, que me prende os movimentos neste beijo que não sofre, nem dói. Perdi-me das noções e vagueio no vazio destas certezas que levaste. Somos o que temos, ou temos o que somos ? Entrego-me a uma filosofia que sempre me faltou pela falta que a tua ausência carrega no ar. Porque decidiu o mundo vestir-se de ti logo hoje ?
Porque se pintou o mar da cor dos teus olhos como se merecesse olhar para ti? Quem pintou as nuvens da cor dos lençóis em que te deito nesta noite tão nossa, em que ficamos os dois. Nós cá dentro, o mundo lá fora. Exatamente e sem nada acrescentar ao que realmente devia ser o mundo. Um furacão de motivos para saltar um batimento deste coração que ficou pequeno para que o leves para onde vás. O que faz de uma pessoa mais que isso ? 
   Na nossa vida, em qualquer ponto, existe uma tabuleta, meio escondida pelo tempo e a floresta, que nos diz que se formos por aquele caminho corremos o sério risco de ser sacudidos. Pelo mundo, pelo vento, pelo tempo. Chegaste com tanta força que me arrancaste os pés do chão.

   Sinto os músculos tremerem com medo deste monstro que não conheço. Sinto-me arrepiado por tamanho gigante que me afronta e me absorve. Sinto-me como se não pudesse parar. Como se a distância estivesse invertida e o longe fosse perto. Porque o que mais desejo é aproximar-me deste perigo que me engole. Como pode uma pessoa tão frágil agigantar-se desta forma. Deixar formigueiros onde antes só existiam músculos, semear preocupação em terrenos queimados pela arrogância. Como pode alguém tão indefeso tornar fraco o forte ?

   Eu devia ter lido a tabuleta. Devia ter procurado, devia estar preparado. Deixei que me apanhasses de surpresa. Chegaste sem saber de onde, e apareceste sem que eu perceba como. Recolho as mais lindas flores e espero que te afastem os teus olhos de mim. Talvez não percebas que acabei de acordar da escuridão que foi. Da escuridão que era.



Como se tu não soubesses tudo minha querida.

4 de setembro de 2012

Letter II

O som da neve a cair torna-se quase um promessa que nos é sussurrada ao ouvido. Um longo manto branco estende-se lá fora enquanto me estendo cá dentro. A cabeça apoiada no sofá permite-me olhar o tecto com uma calma que sinto não merecer. As semanas de trabalho são cada vez mais longas e os períodos de descanso que o fim de semana promete, são cada vez mais falsas promessas. É incrível como o tempo agora passa tão depressa. As semanas voam e há tão pouca coisa que fica. No meu peito uma rapariga loira roda e vira-se para o sofá. O seu cabelo involve todo o meu campo de visão e o cheiro que me pertence inunda tudo nesta inocência tão dela. Por ela o tempo não passou. Provavelmente, como muita gente que não o devia ter feito, o tempo não lhe prestou atenção e passou por ela sem se aperceber. A barba cresce-me grisalha agora, o cabelo perdeu varios tons e é agora de um loiro quase branco. Mas ela não. O cabelo mantém o loiro que iluminou a minha vida inteira, e a cara permanece a de uma ingénua criança de 18 anos que me apaixonou há tantos anos. A luz da árvore de natal brilha sobre ela como se tivesse esse direito, como se alguma coisa pudesse estar acima dela. Não está. As palavras dela continuam soltas e ritmadas como uma música que me conduz. Lembro-me do primeiro natal que tivemos juntos. A forma como as lágrimas dançavam na sua cara enquanto os olhos dançavam por uma árvore preta que eu trouxera. Sempre tinha sido tão fácil desenhar-lhe aquele sorriso. Não posso dizer isto. Aquele sorriso não podia ser desenhado. Era rasgado. Rasgado no tempo, no ar, no meu peito. Entrava pela minha vida, pelo meu dia e tinha a arogância de me roubar o fôlego. De se apresentar com uma leviendade que nos fazia pensar que qualquer um de nós podia sorrir assim. Tristes tolos, só ela o podia, e sabia fazer. Lembro-me de ficar calado a ouvi-la, mesmo que não percebesse do assunto ou nem prestasse atenção às palavras em si. O que me fascinava eram as expressões, o mexer dos lábios e o franzir dos olhos. Era como um autómato, programado ao pormenor para que cada reacção fose perfeita. Como se o movimento do braço estivesse coordenado com sete ou oito movimentos que acabavam sempre no mesmo sítio. Aquele sítio em que eu sorrio e ela continuava na sua sinceridade, na sua simplicidade. Uma pequena mão percorre o meu peito e pousa na minha cara. Tenho saudades tuas, sussurro tão baixo e de forma tão leve que não sei se o disse ou se me limitei a pensar. O pequeno corpo pousado no meu mexe-se e uma cabeça surge na minha frente. Dois pequenos olhos percorrem-me brilhantes. "Não nanas ??". Sorrio. A campainha interrompe a nossa cumplicidade, sempre nossa, cada vez mais velha, cada vez mais forte. Levanto-me e abro a pesada porta da entrada. Uma rapariga com os seus sete ou oito anos entra a correr na direcção da avó que se senta agora delicadamente. A miuda salta para o colo da avó e no meu estômago qualquer coisa enrola-se para me lembrar de alguém que fazia aquilo tantos anos antes. Alguém que está agora ali, à minha frente, e que ri com a neta que é uma autêntica cópia sua. O cabelo cai-lhe nos ombros da mesma forma, com aquela insistente mania, que o tempo não lhe tirou, de esconder os ombros e o pescoço com ele. Procuro a sua mão enquanto os nossos olhos se abraçam, e a pequena criança olha para nós com um olhar curioso. Beijo a neta na testa carinhosamente e de seguida encosto a minha cabeça à da minha pequena e ficamos naquilo durante um tempo que pareceram horas. Ao afastar-me, anos mais novo, vejo a pequena rapariga sorrir e aninhar-se no colo da avó. Sento-me e ela encosta-se no meu peito. Elas adormecem. Eu regresso à minha observação do tecto e imagino quantos mais natais viveremos juntos. Só espero que sejam muitos. Há tanto dela que ainda não conheço e continua a surpreender-me dia após dias. Sempre como no primeiro. Sempre como no último

Letter I

Quero saber o que vês, agora que te vejo tão bem. Quero saber o que trazes, depois de me dares tanto. Quero saber-te. Saber se estás bem, se estás. Saber o que jogaste em criança, de que cor era o teu gameboy. Quero saber o que pensas de mim.Quero saber. Apenas pelo gesto, de conhecer um pouco mais de ti, porque tu não ocupas espaço. Tu não me roubas tempo. Tu não és um desperdicio. Sei de cor a forma como vens e conheço esse hábito esquisito que tens de vir sempre, sem nunca me falhar. Não és uma pessoa normal. As pessoas normais falham. Erram, vezes e vezes sem conta. Eu vi todo o tipo de pessoas destruirem-se, por ninharias. Pedaços de nada que num segundo parecem coisas importantes e no segundo a seguir fizeram de nós nada, e do importante pedaços. Quero saber porque ficas e o que te fez ficar. Quero saber de cor quantas cores o teu guarda fatos tem, não pela necessidade de roupas ou cores, mas pela capacidade de te imaginar de todas as maneiras quando não estás aqui.
Mas não estás tu sempre aqui ? Se não, o que é este perfume que me invade pela manhã e sorri ao meu lado durante o dia? Se não, o que é esta presença constante que me guia pela noite, não como um farol,mas como um sol, que me roubou as noites sem deixar saudade? Que me levou a escuridão e o medo que todos sentimos, quando tudo era fácil e mau era perder um lápis de cor. Quando tínhamos meio metro e as asneiras eram feitas pelos crescidos.
Às vezes queria ainda ter meio metro. Às vezes, quase juro que ainda o tenho. Quando encostas a cabeça no meu peito e o teu riso percorre o quarto nesta alegria que não passa. Quero saber como apareceste aqui, mas principalmente o que te fez ficar. Quero saber, mas não quero que me expliques. As explicações usam palavras e as palavras tornaram-se muito susceptiveis de alterações, deformações ou enganos. Estarei enganado? Se me tivesses dito o que me mostras nunca poderia ter acreditado. Quero ver onde chegas, até onde vais e se me levarás contigo.
Quero descobrir o que somos hoje para poder esboçar o que seremos amanhã. A mais não me atrevo, que um esboço. Isto que me resta agora, pouco mais que uma caneta, pois despiste-me de manias e roupas. Despiste-me o corpo com gestos da alma. Eu vejo-te. Nitidamente. Poderás tu querer ver-me ?