14 de setembro de 2012

Letter VII

Lembro-me constantemente de que tu não te podes tornar uma lembrança. O que se transforma num paradoxo que me confunde. Como posso eu manter-te na memória sem que te tornes uma lembrança? A memória é uma coisa frágil, que se desgasta com os anos e mergulho num poço escuro, de onde não torna. Eu não te posso deixar mergulhar, eu não te posso deixar desvanecer. Se tu te vais, o que deixas comigo ? Memórias, pedaços de ti que se alteram por momentos e pensamentos, instantes de devaneios que te mudam e transformam. Poucos dias depois de te conhecer eu recordava cada momento com exactidão. Poderia descrever cheiros e cores, palavras ditas e pensadas, o que foi feito e como foi feito. Com o tempo as memórias fundiram-se e hoje posso praticamente jurar que já naquela altura tu brilhavas mais que qualquer outra pessoa, luz ou vida. Voavas. Não com uma capa como nos filmes, mas em silêncio, no escuro. Fechava os olhos e via-te em toda a parte, como um monstro. É por isso que tememos o escuro enquanto crescemos. Por causa de monstros. O desconhecido é que nos assusta, o não saber o que vai acontecer se saltarmos, se alguém estará lá para nos apanhar.É isso que tememos. Que naquele quarto escuro esteja alguma coisa tão grande, ou tão forte que não lhe possamos fazer frente. Tu és esse monstro. Absorves tudo o que te rodeia com uma leveza que me transporta, fazes do mau bom em ti, para que não seja mau depois. Fazes do bom um corpo tão teu, que me pertence e desejo, mais do que qualquer outra coisa, em qualquer outro tempo. Tu és o meu monstro. Tu engoliste tudo o resto e fizeste desta terra a tua gruta. Mais nada existe por isso eu só posso viver-te, respirar-te em cada segundo. Porque tu levaste tudo.
E do tudo nasces tu. Não há muito que te possa prometer meu amor, não te posso garantir que nada correrá mal, que a chuva não vai cair. A chuva vai cair. Às vezes com tanta força que nem te ouvirás pensar. Mas então eu correrei para ti e dançaremos no meio da rua porque nós podemos. Porque tu o permitiste. Antes de ti era só chuva, um dia cinzento. Agora é um dia de ti, e se chove não sinto. Sinto-te em mim, a cada gota que cai e me beija com esta intensidade que não sei esquecer. Nem quero. Quero mais dias de ti, mais dias de chuva. Quero ver-te, no escuro, com esses dentes afiados e um corpo gigantesco. Quero que me assustes a vida toda. Assusta-me dia e noite, quando menos esperar. Porque se algum não o fizeres, se algum dia o sol não me trouxer a tua voz, eu morrerei de medo.

Sem comentários:

Enviar um comentário