5 de setembro de 2012

Letter III

Antes tudo girava num corropio de emoções penduradas, falsas partidas, poucos afectos. Antes toda a minha vida girava à volta de uma corrida que era constantemente adiada. Por falta de tempo, calor, vontade. Antes o mundo colocava as perguntas da forma que entendia correcto e eu eneveredava pelo desplante de me preocupar em dar a resposta acertada. Antes, a carne não conhecia o corpo, o corpo não reconhecia a mente. Antes, um livro trazia uma história mas não uma lição. Um livro era não mais que uma canção que nos adormece agora, mas não nos acorda depois. Antes ouvia o que tinham para me dizer como se alguém dissesse alguma coisa que eu tivesse que ouvir. Como se alguém se preocupasse em ser ouvido, ou medisse as palavras que impunha ao ouvido. Antes era pouco mais que o velho que se senta no jardim e espera que a vida o ultrapasse. Pouco mais que a brisa que passa e te beija a face num murmúrio que não deixa nome ou perfume. Que perfume esse, que me prende os movimentos neste beijo que não sofre, nem dói. Perdi-me das noções e vagueio no vazio destas certezas que levaste. Somos o que temos, ou temos o que somos ? Entrego-me a uma filosofia que sempre me faltou pela falta que a tua ausência carrega no ar. Porque decidiu o mundo vestir-se de ti logo hoje ?
Porque se pintou o mar da cor dos teus olhos como se merecesse olhar para ti? Quem pintou as nuvens da cor dos lençóis em que te deito nesta noite tão nossa, em que ficamos os dois. Nós cá dentro, o mundo lá fora. Exatamente e sem nada acrescentar ao que realmente devia ser o mundo. Um furacão de motivos para saltar um batimento deste coração que ficou pequeno para que o leves para onde vás. O que faz de uma pessoa mais que isso ? 
   Na nossa vida, em qualquer ponto, existe uma tabuleta, meio escondida pelo tempo e a floresta, que nos diz que se formos por aquele caminho corremos o sério risco de ser sacudidos. Pelo mundo, pelo vento, pelo tempo. Chegaste com tanta força que me arrancaste os pés do chão.

   Sinto os músculos tremerem com medo deste monstro que não conheço. Sinto-me arrepiado por tamanho gigante que me afronta e me absorve. Sinto-me como se não pudesse parar. Como se a distância estivesse invertida e o longe fosse perto. Porque o que mais desejo é aproximar-me deste perigo que me engole. Como pode uma pessoa tão frágil agigantar-se desta forma. Deixar formigueiros onde antes só existiam músculos, semear preocupação em terrenos queimados pela arrogância. Como pode alguém tão indefeso tornar fraco o forte ?

   Eu devia ter lido a tabuleta. Devia ter procurado, devia estar preparado. Deixei que me apanhasses de surpresa. Chegaste sem saber de onde, e apareceste sem que eu perceba como. Recolho as mais lindas flores e espero que te afastem os teus olhos de mim. Talvez não percebas que acabei de acordar da escuridão que foi. Da escuridão que era.



Como se tu não soubesses tudo minha querida.

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